Algemas: necessidade ou constrangimento?

O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pela Constituição da República de 1988, dentre outros, vem, corriqueiramente, sendo desrespeitado pelo uso indiscriminado de algemas.

A utilização das algemas é, indubitavelmente, a excepcional força física que o Estado deve impor em circunstâncias legalmente autorizadas. Dispõe o art. 284 do Código de Processo Penal que “não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”. E nesta mesma linha de raciocínio, preceitua o art. 292, também do Código de Processo Penal que “se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, ...”

O posicionamento não é para abolir o uso das algemas, afinal, este é necessário em casos de resistência, tentativa de fuga ou extrema necessidade para a defesa, mas para que a utilização seja pautada na devida adequação e proporcionalidade. Estamos diante de uma questão muito séria e de suma importância, pois está diretamente ligado aos sentimentos mais íntimos do ser humano, podendo levá-los ao grau máximo de humilhação.

É notório que o emprego das algemas é medida vexatória e, repise-se, só devendo ocorrer nas hipótese legalmente previstas, sob pena de ser encarado como algo odioso e talvez até mesmo de pura demonstração de poder e exibicionismo de alguns policiais.

A bem da verdade, devemos levar em conta, dentre os demais requisitos exigidos pela lei, o grau de periculosidade do pretenso algemado, com o fim de evitar o desrespeito à integridade física e moral do cidadão.

São inúmeras as situações em que os acusados ou indiciados não manifestam qualquer intenção de resistência ou algo similar e, ainda assim, são algemados e conduzidos com certa brutalidade pela autoridade policial, ferindo o princípio constitucional da presunção de inocência, configurando-se um verdadeiro crime de abuso de autoridade.

Imaginemos, a título exemplificativo, que foi indiciado um cidadão com uma idade avançada, fisicamente fraco e sem esboçar qualquer reação que pudesse prejudicar sua condução a um distrito policial ou estabelecimento prisional, tendo em vista a decretação de sua prisão temporária. Seria, então, razoável algemá-lo? Seria de extrema necessidade? A resposta a esta indagação é obviamente negativa, haja vista que a finalidade a ser alcançada, efetivamente será, sem maiores problemas, qual seja, encaminhá-lo ao distrito policial ou estabelecimento prisional. Daí a desnecessidade de fazer uso das algemas. A mesma só deve ser utilizada se, para atingir determinado objetivo, haja algum obstáculo, o que não é o caso do exemplo citado. Mas infelizmente ocorre com muito mais freqüência do que pensamos.

Independentemente das eventuais conseqüências jurídicas da situação que envolve o inquérito policial e o próprio processo criminal, discute-se, aqui, o indevido uso das algemas, sendo que a dor e humilhação daqueles que passam por isso, sem a real necessidade, nunca são esquecidas, e isto pode muitas das vezes induzir a sociedade a um equivocado juízo de valor e julgamento, que marcará para sempre a moral de quem foi vítima deste abuso.

Como bem salientou a Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha do Supremo Tribunal Federal, no HC 89.429/RO, “a prisão não é espetáculo e que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita de que isso venha a ocorrer; e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, terceiros ou contra si mesmo”.

Acima de tudo está a moral, respeito e dignidade dos cidadãos.

Dárcio Lopardi Mendes Júnior
Advogado
Pós-Graduado em Direito Processual Civil e em Direito Tributário no Centro de Atualização em Direito (CAD) – Universidade Gama Filho/RJ

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