A redescoberta da cana

Uma das primeiras atividades produtivas levadas a cabo no Brasil, na época em que ele ainda se chamava Terra de Santa Cruz, foi o estabelecimento de engenhos de açúcar. A atividade deu tão certo que se tornou o alicerce de nossa economia durante mais de cem anos, no período que ficou conhecido como o ciclo da cana-de-açúcar. Séculos mais tarde, com o País já industrializado, ocorreu o surgimento e a derrocada do Pró-Álcool. Agora, esse setor mais que tradicional da nossa economia está de novo na crista da onda e volta a despertar entusiasmo.

Mais que isso. Uma situação que era inimaginável no início desta década, quando a bola da
vez era a Nova Economia, tornou-se realidade: as companhias sucroalcooleiras manifestam interesse em captar recursos por meio do mercado de capitais, e os investidores estão olhando para esse segmento com vistas generosas.

A bem-sucedida experiência da Cosan — a primeira e até agora única companhia do setor sucroalcooleiro a abrir o capital — evidenciou que há bastante apetite pelos ativos do segmento. A Cosan lançou ações em novembro do ano passado, e seus papéis chegaram a registrar alta superior a 200%. A ação recuou desse elevado patamar, mas mesmo assim registrava uma valorização de 87% desde o seu lançamento (considerando o preço da oferta pública inicial) até o dia 26 de setembro, segundo a Economática.

Também manifestaram a intenção de abrir o capital a Companhia Energética Santa Elisa, a Companhia Vale do Rosário e a Nova América. O mercado enxerga ainda a Copersucar como uma potencial emissora de ações. Procuradas, as empresas não quiseram falar sobre seus planos.

Mas por que esse segmento, antes visto como defasado e atrasado, voltou aos holofotes? Martin Schmitz, da área de agribusiness do banco WestLB, responde: “Os grandes grupos deixaram de ser empresas de açúcar e álcool para se tornarem empresas de energia. Essa foi a chave da mudança.”

Uma conjunção de fatores positivos também contribuiu. A elevação do preço do petróleo fez com que vários países analisassem a possibilidade de adicionar etanol gasolina, como forma de reduzir a dependência do petróleo. Houve ainda o aumento da pressão pelo uso de combustíveis alternativos renováveis, que beneficia o Brasil de modo particular. Somos o único País com capacidade para aumentar a produção em larga escala, diz Fernando Moreira Ribeiro, secretário-geral da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). O Brasil exporta cerca de 3 bilhões de litros de álcool por ano, mas se espera que os negócios aumentem ainda mais.

Um dos mercados consumidores em ascensão é o norte-americano. De acordo com o Energy Bill, aprovado em 2005, os Estados Unidos deverão reduzir a sua dependência do petróleo e desenvolver fontes alternativas de energia. Embora sejam o maior produtor mundial de etanol (extraído do milho), essa produção se faz graças aos subsídios, é energeticamente pouco eficiente e insuficiente para atender demanda.

Neste ano, o país deve importar cerca de 2 bilhões de litros de álcool. Muitos estados já adicionam até 10% de etanol gasolina, mas a mistura média é de 3%. Há cerca de 35 destilarias em construção nos Estados Unidos, financiadas de várias formas, inclusive por meio de ofertas públicas iniciais (empresas como a VeraSun e a Pacific Ethanol têm ações na Nyse e na Nasdaq, respectivamente). Embora a importação de álcool do mercado brasileiro seja sobretaxada, existe uma possibilidade de o Brasil exportar via países do Caribe.

Outro mercado que atrai muita expectativa é o japonês. O governo do país está testando uma mistura de 3% de álcool gasolina antes de autorizar sua utilização em escala comercial. Essa iniciativa significaria um mercado de 1,8 bilhão de litros. Se bem-sucedida, o percentual de adição pode chegar a 10%, ampliando o volume para 6 bilhões de litros por ano. A Petrobras constituiu uma joint venture com a empresa Nippon Alcohol Hanbai para estudar a viabilidade da exportação de etanol para o país.

No entanto, no médio prazo, a expectativa de explosão nas exportações de álcool para o Japão não deve se concretizar: a estimativa é que em 2010 o país importe apenas 300 milhões de litros, uma quantidade que poderia ser fornecida por uma única usina brasileira.

A demanda de etanol também é virtualmente crescente no Brasil graças aos veículos bicombustível, que já respondem por 77% das vendas em solo nacional. A maior parte de nossa produção se destina ao mercado interno: consumimos cerca de 12 bilhões dos 17,5 bilhões de litros de etanol produzidos (estimativas para a safra de 2006/2007). Ou seja, para fazer frente ao esperado aumento da demanda no mercado externo, a produção teria de crescer, e muito.

O principal fator que pode refrear o entusiasmo com o etanol é o comportamento do preço do
petróleo. O mundo usará mais o álcool, mas o ritmo de adesão ao combustível dependerá do quão alta estiver a cotação da commodity, diz Mauro Giorgi, economista da corretora Geração Futuro. Os preços elevados atualmente refletem tanto o aumento da demanda, por conta do crescimento da China e da Índia, quanto o maior interesse de investidores. Em face da desvalorização do dólar norte-americano, grande parte dos recursos alocados em títulos do governo migrou para as commodities. Para o economista, o preço do barril não deverá cair além dos US$ 55, a não ser por uma desaceleração brusca da economia americana. O barril de petróleo estava cotado a cerca de US$ 61 no fechamento desta edição. Os analistas já começavam, contudo, a questionar se a queda dos preços das commodities ocorrida recentemente, devido s preocupações com a atividade da economia norte-americana, poderia refrear o ritmo de instalação dos novos projetos.

Mais recursos para o açúcar — E nem só o etanol está em voga. Os fundamentos para o mercado de açúcar também são considerados positivos, apesar do recuo das cotações em setembro. A redução dos subsídios para a produção do açúcar de beterraba na Europa fará com que, na próxima safra, o continente deixe de exportar cerca de 5 milhões de toneladas, o que abre espaço para outros produtores. O Brasil já detém cerca de 40% do comércio internacional do produto, o que corresponde a aproximadamente 45 milhões de toneladas por ano. No entanto, o tipo mais exportado (açúcar VHP) tem baixo valor agregado, inferior ao do açúcar refinado.

A expectativa de expansão na demanda gerou uma nova safra de investimentos em unidades
produtivas no Brasil. Há atualmente cerca de cem projetos em andamento, que até o ano 2012 deverão aumentar em mais de 50% a nossa safra de cana (atualmente, cerca de 425 milhões de toneladas).

Com tantos novos investimentos, as empresas precisam de mais recursos. Esse é o principal motivo pelo qual vêm buscando o mercado de capitais e cogitam a emissão de ações. Até então, o financiamento das companhias era feito principalmente por meio de trading companies ou crédito bancário vinculado a exportação. Schmitz, do WestLB, acredita que só esse tipo de operação já não atende s empresas maiores. Ele considera que a securitização de recebíveis locais ganhará força neste segmento, juntamente com as captações via investidores estratégicos ou fundos private equity. Posteriormente, avalia, viriam as emissões de ações. Outros analistas concordam que ainda leve algum tempo para este segmento ganhar uma representatividade mais efetiva na bolsa. Afinal, trata-se de um setor pulverizado e com forte presença de empresas pequenas, que precisam ganhar porte antes de abrir o capital, diz uma analista de investimento. Existem mais de 300 usinas em operação no Brasil. Para as menores companhias, o mercado de capitais não se apresenta como uma potencial fonte de recursos.

Fusões e aquisições vista — Existe uma aposta no processo de consolidação do setor. O número de fusões e aquisições e joint ventures nesse segmento já se mostra mais aquecido que o normal. De acordo com a última pesquisa feita pela PricewaterhouseCoopers (PwC), o setor de alimentos foi um dos que mais registraram esse tipo de transação no Brasil, de janeiro até julho deste ano, sendo que as operações foram impulsionadas pelas usinas de açúcar e álcool (que responderam por 34% dos negócios fechados).

Este é um momento decisivo para os usineiros. Ou eles assumem a sua vocação e investem
para aumentar a capacidade produtiva, ou aproveitam o bom momento para vender seus ativos, diz Andréa Vergueiro, gerente da área de fusões e aquisições da PwC.

Uma alternativa de capitalização é admitir um investidor estratégico estrangeiro que esteja procura de negócios no Brasil. A redução dos subsídios no mercado europeu voltou os olhos dos tradicionais produtores para as empresas brasileiras e de outros países. Apesar da grande expectativa, porém, os negócios fechados ainda são poucos. Obter recursos de fundos de private equity também é uma opção. “Inevitavelmente, teremos o ingresso de investidores não-tradicionais no setor”, avalia Jacyr Costa Filho, diretor da Sociedade Corretora de Álcool (SCA).

Um dos fundos criados para investir em usinas foi o Bioenergy Development Fund, do banco Société Générale, que dispõe de US$ 1 bilhão. Além desse, o fundo americano Kidd & Company comprou uma usina no Mato Grosso do Sul, e o inglês Evergreen adquiriu outra em Minas Gerais.

No entanto, não se espera que a velocidade desse processo de consolidação seja rápida. Os usineiros, que já passaram por um período de vacas magras na década passada, podem não querer sair do mercado justamente agora que o vento sopra a favor. Muitos têm preferido realizar joint ventures para a construção de novas usinas a vender suas participações acionárias.

Outro ponto diz respeito ao modelo societário das usinas. “Várias ainda têm estruturas familiares, em que é difícil conciliar os interesses dos diversos acionistas”, diz Fabio Niccheri, sócio da área de fusões e aquisições da PwC. Algumas chegam a ter mais de 80, descendentes dos fundadores.

Há poucos anos, o setor não atraía os investidores, tanto pelo endividamento de grande parte das usinas, quanto pela imagem de pouca transparência e parco interesse pela responsabilidade socioambiental. Desde então, tem havido maior preocupação com o impacto da atividade sobre o meio ambiente. Hoje, grande parte da colheita das usinas do Sudeste já é mecanizada, o que reduz a necessidade de queimadas.

Outro aspecto é que existe um movimento de profissionalização e de adesão transparência esperada pelo mercado de capitais. Há cinco anos, ninguém queria contratar um auditor externo. Hoje as empresas já sabem que, para atrair investidores, elas precisam ter suas demonstrações validadas por auditorias de credibilidade, diz Schmitz, do West LB. Desta vez a nova fase do setor é orientada pelo mercado e não pelo governo, como nos tempos do Pró-Álcool. Um bom presságio para quem aposta no seu crescimento.

Luciana Del Caro Lachini em http://www.acionista.com.br

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